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Lula e o Espírito Animal do Empresariado: conquistar a confiança do empresariado e reconquistá-la são atividades distintas

João Henrique da Fonseca
Foto: Divulgação - João Henrique da Fonseca

É inegável que o primeiro mandato de Lula tenha sido de êxitos econômicos, mas também marcado por sabidos problemas de corrupção. Os ganhos, no entanto, foram suficientemente grandes para lhe dar capital político não só para se reeleger, como para fazer uma sucessora e protagonizar uma reviravolta política na eleição deste ano. Lembranças e esperanças, reais ou romantizadas, fizeram a maioria dos eleitores assinarem um cheque em branco para o petista. 

Mas 2022 não é 2002. Em seu primeiro mandato, Lula navegou em um cenário externo onde os EUA entravam em um novo ciclo de expansão após a bolha “dotcom”; a China vivia o auge do seu crescimento econômico e se abria; a Europa colhia os benefícios do Euro e crescia; o Japão ainda crescia e a Rússia não ameaçava ninguém. Passados 20 anos, o que temos hoje é, de maneira simplificada: Europa em crise; Japão parado; China desacelerando e se fechando; Rússia em guerra; EUA crescendo, mas de modo egoísta (“America First”, que não deixou de existir só porque Trump perdeu). 

Além do estrangeiro, há desafios dentro de casa. Lula precisa lidar com o déficit público encarando um Congresso de centro-direita, que não será tão facilmente dobrado. Ao contrário de 2002, quando a população se informava majoritariamente pela grande mídia, hoje os eleitores acompanham seus representantes através das redes sociais e traições custam caro. Ora, o derretimento das votações de certos deputados que romperam com Bolsonaro demonstrou isso.

É verdade que no passado Lula navegou mares revoltos e que esses fatores poderiam ser contornados por um político experiente. Contudo, existe um outro desafio de origem psicológica que deveria causar maior preocupação: o “espírito animal”. Quando John Maynard Keynes criou o termo “animal spirit”, ele se referia a uma variável muito mais difícil de se controlar: “A maioria, provavelmente, de nossas decisões de fazer algo positivo, [...], só podem ser tomadas por resultado de espíritos animais - um impulso espontâneo para a ação, ao invés da inação, e não como consequência de uma pensada média de benefícios multiplicada pelas probabilidades quantitativas” (KEYNES, J.M. – Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda). 

Quando Lula assumiu o governo pela primeira vez, o pensamento conservador ainda não possuía um lar e nem o empresariado era tão envolvido na vida política. Havia pequena preferência por José Serra (PSDB), mas com espaço para Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Nada comparado à força do Bolsonarismo já no primeiro turno. Então, em 2003, Lula adotou medidas pró-mercado, fiscalmente ortodoxas, e aquilo bastou para conquistar a confiança da classe produtiva e ativar seu espírito animal. Agora, porém, o empresariado brasileiro não só tem uma preferência política mais consolidada do que em 2002 como também parece ter criado anticorpos ao PT. 

Robert Shiller, prêmio Nobel de economia, certa vez disse em entrevista que, embora não tivesse votado em Trump, ele era visto como pró-negócios e que isso energizava o “espírito animal”. Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, disse a mesma coisa em 2017, ao justificar a disparada da confiança do empresariado e do crescimento econômico sob Trump. Mais do que medidas concretas, Trump era um animador de torcida, cujos efeitos psicológicos sobre o empresariado criava uma profecia autorrealizável de crescimento econômico. 

Efeito similar tivemos no Brasil sob a dupla Bolsonaro-Paulo Guedes, o que explica o aumento do investimento privado e do crescimento econômico sem a necessidade de investimento estatal. Foi por não levar isso em conta que, provavelmente, muitos analistas erraram para baixo as previsões de crescimento tanto na gestão de Trump quanto na de Bolsonaro. É devido a este fator psicológico, e não exato, que um otimismo inicial com Lula pode se revelar enganoso. Em entrevista recentemente publicada pelo Valor Econômico, o autor do best-seller “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky, disse: “Tem uma grande chance de que, se Lula ganhar, sua Presidência ser decepcionante. Muitos presidentes que retornaram depois de um tempo, quando estão mais velhos, governaram muito mal”. 

Muitos economistas acreditam que, assim como em 2002, basta que Lula anuncie medidas objetivas e pró-mercado para reconquistar o empresariado. Será? Em 2002, o PT não tinha em sua bagagem o histórico de políticas desastrosas e escândalos que levaram o país à recessão profunda de 2015-16. O espírito animal tem memória. Reconquistá-lo não é tão fácil quanto conquistá-lo.

  

 

João Henrique da Fonseca é economista e sócio fundador da Azul Wealth Management. É formado em ciências econômicas pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, e fez carreira no mercado financeiro antes de abrir sua própria gestora. 

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